terça-feira, 26 de novembro de 2013

Governo chinês força urbanização: Cidades na China expõem disfunção social

Por IAN JOHNSON
HUAMING, China - Três anos atrás, a Exposição Mundial de Xangai apresentou esta cidade, recém-construída, como o exemplo de que a China deixaria de ser uma terra de fazendas para ser uma terra de cidades. Hoje Huaming pode ser um modelo de outra transformação: a guetização das novas cidades chinesas.
Os sinais de disfunção social são muitos. Os jovens, que passam os dias em cibercafés ou salões de bilhar, dizem que poucos têm empregos. Os idosos são obrigados a fazer bicos para pagar as contas no fim do mês. As estruturas familiares e de vizinhança foram abaladas. Além disso, aumentaram os suicídios.
Enquanto a China leva adiante a urbanização promovida pelo governo, muitos temem que as dezenas de novos conjuntos habitacionais possam ter o mesmo destino que os projetos do pós-guerra nos países ocidentais. Destinados a solucionar um problema, eles talvez estejam criando outros que poderão empestar as cidades chinesas durante gerações.
"Tenho crises de ansiedade porque não temos renda nem emprego", disse Feng Aiju, 40, ex-agricultora que se mudou para Huaming em 2008 contra sua vontade. Ela disse que gastou uma pequena fortuna pelos padrões locais, US$ 1.500, com antidepressivos. "Nunca tivemos a oportunidade de falar, nunca nos perguntaram nada. Eu quero ir para casa."
Huaming está longe de ser uma favela perigosa. Não tem gangues, uso de drogas ou violência de rua. Quase metade da cidade é dedicada a áreas verdes. Árvores bordam as ruas que levam às escolas.
Mas as novas casas têm paredes rachadas, janelas que vazam e elevadores com piso enferrujado. Para os agricultores, que foram intimados a entregar suas terras ancestrais, a deterioração aumenta a sensação de que foram enganados.
"Aquela terra era deles", diz Wei Ying, mulher de 35 anos desempregada, cujos pais vivem em uma unidade mal construída. "Você precisa compreender como eles se sentem no íntimo." A sensação de desespero e alienação vem à superfície nos suicídios -o salto de uma sacada tarde da noite, a ingestão de pesticida ou o deitar-se nos trilhos do trem.
"Estamos falando de centenas de milhões de pessoas que estão se mudando para esses lugares, mas o padrão de vida para esses realojados na verdade caiu", disse Lynette Ong, cientista política da Universidade de Toronto que estudou áreas de reassentamento. "Além disso, há a qualidade dos edifícios -houve muita corrupção e eles roubaram os materiais."
Essas novas cidades contrastam com a habitação improvisada onde vivem outros migrantes. Muitas delas são criadas por agricultores que decidiram deixar sua terra. Embora amontoados, esses locais são cheios de vitalidade e mobilidade ascendente, disse Biao Xiang, da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
"Esses bairros de migrantes nas grandes cidades são muitas vezes chamados de favelas, mas são as novas comunidades de reassentamento que serão mais difíceis de reviver, em parte porque não estão relacionadas a qualquer atividade econômica produtiva", disse o professor Xiang.
A ideia por trás de Huaming foi radicalmente diferente. Em 2005, o distrito de Huaming foi escolhido para ser uma demonstração de urbanismo planejado e bem-sucedido. Um distrito é uma unidade administrativa maior que uma aldeia e menor que um condado, e Huaming tinha 41 mil pessoas vivendo em 12 pequenas aldeias espalhadas por 155 quilômetros quadrados, na maioria terras agrícolas.
Para o norte da China, o local era incomumente fértil, porque tinha água em abundância. Nos arredores de uma das maiores cidades da China, o porto de Tianjin, Huaming era conhecida por seu artesanato e especialmente por seus legumes.
Os urbanistas, porém, a consideraram um grande problema. "As aldeias formadas naturalmente tinham sofrido desenvolvimentos desordenados que resultaram em baixa densidade das construções, em espaço industrial desorganizado e má distribuição", segundo uma publicação que explicou a necessidade de mudança. (As autoridades recusaram pedidos de entrevista.) As aldeias não tinham tratamento de esgoto e eram "sujas, desordenadas e abaixo do padrão".
A ideia foi consolidá-las em uma nova cidade chamada Huaming, que ocuparia menos de 2,5 quilômetros quadrados, em vez dos 8 que as 12 aldeias tinham ocupado.
Uma parte dos 152 quilômetros quadrados restantes poderia ser vendida para incorporadores para pagar pela construção, o que significava que os novos edifícios não custariam nada para os agricultores ou para o governo.
O resto da terra continuaria sendo utilizado para fins agrícolas, mas seria cultivado por alguns agricultores restantes usando métodos modernos.
Isto alcançaria outro objetivo: não reduzir a quantidade de terra arável.
A construção começou em março de 2006 e foi concluída apenas 16 meses depois. A cidade é formada por prédios de seis a nove andares, divididos em condomínios fechados de cerca de uma dúzia de edifícios. O espaço comercial se limita oficialmente a duas ruas, tornando o resto da cidade uma área residencial tranquila, centrada nas novas escolas. Um parque atraente com um lago fica aberto à noite para encontros sociais.
O maior ponto de venda na literatura oficial é como o espaço seria distribuído. Os agricultores poderiam trocar o espaço útil em sua casa na fazenda por um apartamento do mesmo tamanho na nova cidade.
Até o pátio em torno da casa rural entrava na equação.
O que aconteceu foi mais complexo. A maioria acabou tendo menos espaço para viver do que tinha na fazenda. E muitos não queriam deixar sua terra. Em 2008, a oferta do governo tinha alcançado um sucesso limitado, e apenas a metade da população decidiu se mudar. Mas a propaganda do governo já saudava Huaming como um sucesso e as autoridades planejavam apresentá-la na feira mundial dali a dois anos. "Eles disseram que se não nos mudássemos isso afetaria a exposição mundial", disse Jia Qiufu, 69, ex-morador da aldeia de Guanzhuang.
O governo local fez intensa pressão para forçar os agricultores a deixarem suas aldeias. Destruiu as estradas e cortou a eletricidade e a água. Mesmo assim, milhares de pessoas ficaram. Como última medida, as escolas foram demolidas.
Além da insatisfação sobre a quantidade de espaço que receberiam, os agricultores estavam preocupados com os empregos, temor comum em outros projetos de reassentamento. Comparado com projetos de relocação em áreas remotas, Huaming é quase um grande corredor de transporte, a Via Expressa Pequim-Tianjin. Também é vizinha do enorme centro de logística do aeroporto de Tianjin, que oferece milhares de empregos. Muitos agricultores disseram, porém, que não se qualificaram para esses cargos.
Segundo os moradores de Huaming, os únicos empregos disponíveis para eles são trabalhos sem perspectivas, que pagam o equivalente a US$ 150 por mês. Mesmo assim, a concorrência por eles é ferrenha. Migrantes pobres de outras partes da China estão dispostos a trabalhar por ainda menos. Quase toda a jardinagem nos espaços públicos de Huaming, por exemplo, é feita por trabalhadores da província interior de Henan, que vêm por um curto período e vão embora. "Comparado com Henan, é bom trabalho", afirmou Zhuang Wei, 58, que disse morar em um quarto com outros cinco homens.
Mesmo quando conseguem trabalhos que pagam bem, os moradores dizem que quase não podem pagar as contas. Uma creche custa US$ 100 por mês por criança.Outros custos também são altos. A inflação quase duplicou o preço do arroz. No passado, eles mesmos o plantavam.
Muitos parecem ter desistido de encontrar trabalho. Os cibercafés ficam lotados de jovens. Em um deles, Zhang Wei, 28, disse que tinha investido US$ 4.300 para reformar o apartamento e instalar computadores. A antiga sala da unidade estava cheia de jovens debruçados sobre telas. "São todos moradores desempregados, mas sem qualificações o que podem fazer?", indagou Zhang.
Mais comuns são as histórias de idosos que rapidamente morrem de doenças. "Estou cansada, muito cansada", disse uma mulher idosa que só deu seu sobrenome, Wei. "Veja os campos vazios", disse Wei Naiju, que veio da aldeia de Guanzhuang. "Você realmente poderia plantar alguma coisa lá."
Percorrer as aldeias demolidas com ex-moradores é especialmente triste. É uma paisagem bombardeada, com alicerces cobertos por detritos.
De volta à cidade, a vida de quem se mudou para o distrito foi memorializada em um museu. Cheio de vitrines em tamanho real com casas de aldeia e figuras humanas, é uma recriação da antiga vida na aldeia. Uma placa introdutória explica: "O tempo passa e as coisas mudam".

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Reforma na China derruba valor do dólar

Moeda tem a maior queda desde agosto com investidores otimistas com perspectiva de maior abertura chinesa
Dólar fecha em baixa de 2,2% em relação ao real; bom humor é global, e Bolsas sobem no Brasil e no exterior
DANIELLE BRANTDE SÃO PAULO
O otimismo de investidores com as reformas anunciadas pela China na última sexta derrubou o dólar e deu impulso às Bolsas no Brasil e no mundo. A aposta de analistas é que a maior abertura da economia chinesa beneficie fornecedores de matérias primas, como é o caso do Brasil e de outros emergentes.
Nesse cenário, o dólar à vista, referência no mercado financeiro, fechou em queda de 2,20%, a maior desde 28 de agosto, cotado a R$ 2,267. E o dólar comercial, usado no comércio exterior, teve baixa de 2,32%, a maior desde 18 de setembro, para R$ 2,268.
Segundo o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, a permissão para que a iniciativa privada ocupe um espaço maior na economia chinesa atrai investimentos mais pesados ao país e anima sobretudo os emergentes, grandes fornecedores de matérias-primas.
"Isso fortalece as moedas locais em relação ao dólar", acrescenta. "Mas é difícil saber até que ponto as reformas vão se concretizar."
O governo chinês não deu prazo para a implementação das mudanças nem detalhou como vai executá-las.
Das 24 moedas emergentes mais negociadas, 18 subiram ontem em relação ao dólar. O real foi a que mais se valorizou, seguido pela rupia indonésia (alta de 1,98%) e pela rupia indiana (1,53%).
PATAMAR DO DOLAR
Para analistas, o dólar deve permanecer no patamar entre R$ 2,25 e R$ 2,30 até o fim do ano, podendo alcançar R$ 2,35 segundo algumas projeções.
Tudo vai depender, afirmam, da velocidade da redução dos estímulos econômicos nos EUA.
Desde 2012, o Fed (banco central americano) injeta mensalmente US$ 85 bilhões na economia por meio da recompra de títulos. Parte desse valor se reverte em investimentos em outros países.
Com a redução do incentivo, o volume de recursos disponíveis para essas aplicações diminui e, diante da perspectiva de menor entrada de dólares no Brasil, o preço da moeda americana tende a subir ante o real.
Na última quinta, Janet Yellen, indicada para assumir o Fed em 1º de fevereiro, deu a entender ao mercado financeiro que vai manter os estímulos até que a economia dos EUA esteja mais robusta.
INTERVENÇÕES
O BC brasileiro deu continuidade ontem ao seu programa de leilões de contratos de "swap" cambial, que equivalem à venda de dólares no mercado futuro e empurram as cotações para baixo.
O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, subiu 1,60%, para 54.307 pontos, favorecido também pelos mercados americanos. Em Nova York, os índices Dow Jones e S&P 500 bateram recordes de pontos durante o dia.
As ações da Petrobras ajudaram a Bolsa local. Os papéis mais negociados subiram 4,84%, para R$ 21,44.


9 LONGOS PASSOS O QUE PODE MUDAR
1 Criação de tribunal especial para coibir pirataria
Violações de propriedade intelectual, marca do país, receberão atenção especial

2 Fim dos preços controlados pelo governo central
Flutuarão até tarifas de serviços estatais (água, telefonia, eletricidade, transporte etc.)

3 Fatia maior para o governo em lucro de estatais
Empresas que hoje remetem de 5% a 15% de seu lucro repassarão 30% até 2020

4 Haverá bancos privados; regulação aumentará
Investidores poderão ter bancos; sistema, em grande parte clandestino, será reformado

5 Redução gradual no controle de juros e câmbio
O teto de juros em bancos estatais deixará de existir; controle cambial será afinado'

6 Maior proteção para depósitos bancários
Serão criados um sistema de seguros e um mecanismo para recuperação judicial

7 Abertura maior para o investimento externo
Restrições a empresas serão afrouxadas; fusões e aquisições, permitidas sob limites

8 Investimento social passa a ser uma prioridade
Emprego e renda receberão atenção; serão criados sistemas de Previdência e saúde

9 Agricultor terá direito de posse de terra ampliado
Transferência será permitida


Burocracia será menor que a do Brasil, diz advogado
Foco no consumo interno abre oportunidades, avalia responsável por 1 dos 3 escritórios do Brasil com licença para operar na China
MARIANA BARBOSADE SÃO PAULO
As reformas econômicas da China poderão representar uma oportunidade para ampliar a pauta de exportações brasileiras, na opinião do advogado Rodrigo do Val Ferreira, 35, desde 2005 está à frente do escritório Felsberg e Associados em Xangai.
O escritório é um dos três brasileiros com licença para atuar na China e representa clientes como Banco do Brasil, BRF, Embraco, Gerdau, Queiroz Galvão e Renner.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Folha - Como as reformas poderão contribuir para melhorar o ambiente de negócios?
Rodrigo do Val Ferreira - No médio e longo prazo, deve-se esperar uma China bem menos burocrática, mais próxima do ambiente de negócios de Hong Kong do que do Brasil. A China ganhará ainda mais competitividade.
Isso é muito bom para as empresas brasileiras aqui, mas não muito bom para as que operam no Brasil, onde o ambiente de negócios é muito burocrático.
As reformas poderão facilitar o investimento de empresas brasileiras na China?
Sem dúvida. O grau de discricionariedade e o poder de decisão das autoridades na China é muito grande.
É necessário um sem-número de licenças para coisas que, em outros lugares, são simples.
O que a reforma busca é simplificar procedimentos, com mais transparência, objetividade e rapidez.
Como uma eventual redução da presença estatal na economia pode se refletir nos negócios de empresas brasileiras?
Com um ambiente de negócios mais transparente, diminui-se tanto a margem de incerteza sobre resultados, como também o tempo e o custo para se atender às exigências do governo.
Compare, por exemplo, o ambiente de negócios de Hong Kong com o da China: se determinado investidor quer sair de um negócio e vender sua participação em uma empresa na China, é necessário notificar as autoridades chinesas e que ela concorde com a substituição.
Em Hong Kong, basta arquivar a alteração social. Por isso, em muitos casos, investidores constituem uma controladora em Hong Kong para investimentos a serem feitos na China e, quando há o interesse em sair do negócio, vendem a controladora.
O foco no consumo interno abre oportunidades para empresas brasileiras?
Sem dúvida nenhuma. A entrada da China como um grande mercado de consumo, e não só de exportação, é extremamente vantajosa para o Brasil, que, apesar dos pesares, se mantém competitivo em diversos setores.
Isso coloca toda a responsabilidade de um eventual deficit na balança em nossas mãos. Somos nós que devemos fazer nosso dever de casa, tornar competitiva nossas exportações e investir, como as empresas de outros países, no marketing de nossos produtos, em vez de simplesmente vender commodities.
Leia a íntegra

Diretor escancara violência na China

Por EDWARD WONG
PEQUIM - Jia Zhangke, o mais destacado diretor de filmes de arte chinês, preparava-se para fazer seu primeiro filme de artes marciais com grande orçamento, ambientado na China dinástica, quando a realidade se intrometeu.
Jia descobriu o mundo dos microblogs no estilo Twitter, que muitos chineses têm lido nos últimos anos para receber notícias diárias sem manipulação e opiniões diferentes das encontradas na mídia estatal. Ele foi bombardeado por notícias de todo o país, na maior parte ligadas a crimes de autoridades ou empresários corruptos: estupros, invasão de terras e poluição industrial.
Em muitos desses casos, segundo Jia, chineses comuns frustrados tinham sido levados a cometer atos sangrentos.
"Lentamente, comecei a ver o problema da violência individual na sociedade", disse Jia, 43, em seu escritório em Pequim. "Falando com franqueza, sinto que a população chinesa não compreende realmente o problema da violência, porque nunca houve uma discussão ampla dessa questão."
Jia decidiu deixar de lado o épico e fazer um filme de ação, mais na linha de sua obra como um todo. Chamado "Um Toque de Pecado", o filme estreou no Festival de Cannes em maio, onde ganhou o prêmio de melhor roteiro, e foi exibido neste outono em festivais de cinema como o de Nova York, em outubro. Jia disse anteriormente que o filme poderia estrear na China neste mês, mas uma data ainda não foi definida.
Baseado em fatos do noticiário, o filme conta quatro histórias entrelaçadas de chineses comuns que, sob circunstâncias extremas, recorrem à violência. Um trabalhador de mina na província de Shanxi efetua um tiroteio contra o dono da mina e outros patrões locais. Um jovem operário de fábrica só encontra desespero em uma empresa que parece a Foxconn, empresa de Taiwan que fabrica os produtos Apple.
Embora pareça improvável, a forma do filme tradicional de artes marciais foi transportada da ideia original de Jia de um filme dinástico para o novo projeto.
Os protagonistas tentam de diversas maneiras sanguinolentas assumir o controle de seus destinos. Uma das imagens mais marcantes é a de uma funcionária de uma casa de massagens, interpretada por Zhao Tao, a mulher e antiga colaboradora de Jia, que caminha por um corredor com sua saia branca empapada de sangue, segurando uma faca. Antes, um cliente abusivo havia tentado estuprá-la, mas encontrou um duro final.
Este é o sexto longa-metragem narrativo de Jia. Seus primeiros três filmes foram passados em sua cidade natal, Fengyang. A partir de "O Mundo", de 2004, Jia começou a ambientar suas histórias em outras partes da China para mostrar a dissonância social que acompanha a transformação econômica. "Natureza Morta", por exemplo, passa em uma cidade que vai ser inundada por causa da construção da Barragem das Três Gargantas.
Em "Um Toque de Pecado", Jia ambientou cada história em uma parte diferente da China, para tentar capturar o movimento dos chineses que buscam suas fortunas e a intersecção de vidas contra esse pano de fundo. "O filme não trata apenas de emoções individuais, mas também de uma expressão do estado de todo o país", disse Jia.
O orçamento de US$ 4 milhões foi o maior dos filmes de Jia. Depois de apresentar uma cópia para o painel de censura do Estado, ele recebeu duas páginas com exigências de modificações e recomendações. Ele disse que os pedidos foram surpreendentemente leves. As mudanças obrigatórias se referiam a alguns diálogos que os censores consideraram muito grosseiros, disse Jia. Em uma lista de mudanças recomendadas, os censores disseram que o filme poderia ter menos violência.
No final, os censores recuaram. "Eu sinto que é um filme destinado a ser uma reflexão sobre a violência. Se não virmos a destruição da violência, não sei o que estou tentando dizer", disse Jia.
Ele suspeita que os censores se abrandaram porque as narrativas já tinham entrado na consciência do público graças à internet. "Essas histórias são uma espécie de registro que não pode ser removido", disse.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

China anuncia reformas e foca mercado: etalhes são vagos, mas incentivo a consumo, inserção da população rural e abertura econômica são pontos-chave

Meta é atingir objetivos de cúpula até 2020; interação entre papel do Estado e do setor privado será calibrada
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON
A terceira plenária do 18º Congresso do Partido Comunista da China terminou ontem com o anúncio de reformas econômicas e sociais "aprofundadas" que darão papel "decisivo" à iniciativa privada e ao mercado, segundo a agência estatal Xinhua.
As decisões do Comitê Central do partido indicam vitória dos reformistas liberais. Mas são vagas, como de costume, sobre mudanças concretas a serem feitas pela gestão do presidente Xi Jinping.
Em comunicado intitulado "Temas de maior importância que sofrerão reformas profundas e abrangentes", a agência lista 15 prioridades.
Estão incluídos aí a transformação do papel do governo, um sistema de mercado moderno, a unificação do desenvolvimento rural e urbano, a abertura econômica, a criação de uma "cultura da inovação" e o "respeito à lei".
A data para atingir os objetivos das reformas é 2020.
O texto da agência fala que a reforma econômica definirá uma relação própria entre o papel do governo e o do mercado, e que "os camponeses devem ter participação igual no processo de modernização e dividir seus frutos". Espera-se que o PIB chinês cresça 7,6% em 2013.
Nas duas primeiras plenárias, que reúnem os 205 membros do Comitê Central do Partido, o presidente Xi e o premiê Li Keqiang citaram a necessidade de liberalizar o sistema financeiro e responder à desaceleração causada pela queda da demanda das economias maduras e pela excessiva dependência dos investimentos estatais.
Os quatro grandes bancos estatais do país têm que fazer empréstimos bilionários a governos locais que investem pesadamente em infraestrutura para garantir o crescimento exigido pelo partido.
Pequenos empresários, sem poder competir com os maiores credores, acabam se amparando em um sistema de bancos clandestinos e populares, conhecido como "shadow banking", sobretudo na costa leste e sul do país.
Com poucas opções de investimento, os chineses acabam direcionando suas economias ao mercado imobiliário, criando bolhas regionais.
Além disso, sem sistema universal de aposentadorias e com salários baixos, poupam muito e consomem menos do que poderiam, deixando 50% da economia do país depender dos investimentos públicos em infraestrutura.
Como parte da arrecadação de prefeituras vem da venda de terrenos, camponeses são despejados facilmente de subúrbios rurais das grandes cidades, nas quais o investimento pesado criou um padrão de vida muito distante daquele da população rural, que ainda perfaz 50% do país --ou 670 milhões de pessoas.
Com metáforas caras aos chineses, o comunicado diz que o povo deve avaliar o uso do poder pelo governo: "O poder precisa operar sob o sol e ficar dentro de uma gaiola".
Também foi anunciada ontem a criação de um Conselho de Segurança Nacional --no texto original, os caracteres do novo organismo são os mesmos que designam seu homônimo americano.
Fonte: Folha, 13.11.13

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Autores acatam censura para entrar no mercado chinês

PEQUIM - Os leitores chineses da biografia do líder reformista Deng Xiaoping escrita por Ezra Vogel podem ter sentido falta de alguns detalhes que constavam na edição inglesa original.
A versão chinesa não mencionava que os jornais chineses haviam recebido ordens de ignorar a implosão comunista em toda a Europa Oriental no final dos anos 1980. Nem que o secretário-geral Zhao Ziyang, expurgado durante a repressão na praça Tiananmen, chorou ao ser colocado sob prisão domiciliar.
Vogel, professor emérito da Universidade Harvard, disse que a decisão de permitir que censores chineses mexessem na sua obra representou uma barganha desagradável, mas necessária, pois graças a ela o livro pôde alcançar leitores com os quais muitos autores ocidentais só podem sonhar.
Seu livro, intitulado "Deng Xiaoping and the Transformation of China" [Deng Xiaoping e a transformação da China], vendeu 30 mil exemplares nos EUA e 650 mil na China. "Para mim a escolha foi fácil", disse ele. "Achei melhor ter 90% do livro disponível aqui do que ter zero."
Tais concessões estão se tornando comuns. Com uma população altamente alfabetizada e faminta por obras de escritores estrangeiros, a China é uma fonte crescente de faturamento para as editoras americanas. No ano passado, os lucros dos editores dos EUA com a venda de livros eletrônicos para a China cresceram 56%, segundo a Associação Americana de Editores. As editoras chinesas adquiriram mais de 16 mil títulos do exterior em 2012, frente a 1.664 em 1995.
Em outubro, editores e agentes literários chineses compareceram em peso à feira do livro de Frankfurt, dando lances para a aquisição de obras de escritores ocidentais e oferecendo polpudos adiantamentos. A China também pode ser uma mina de ouro para os direitos autorais. No ano passado, J.K. Rowling recebeu US$ 2,4 milhões daqui, e Walter Isaacson, autor da biografia "Steve Jobs", ganhou US$ 804 mil, segundo o "Diário Metropolitano Huaxi", de Chengdu.
Escritores ocidentais que concordam em submeter seus livros ao imprevisível regime chinês de censura dizem que a experiência pode ser irritante.
O romancista Qiu Xiaolong, que vive no Missouri e ambienta seus romances de mistério em Xangai, disse que os editores chineses que adquiriram os primeiros três volumes da sua série do inspetor Chen alteraram a identidade de personagens centrais e reescreveram trechos do enredo que eles consideraram desabonadores para o Partido Comunista.
De forma ainda mais rude, disse ele, os editores insistiram em eliminar quaisquer referências a Xangai, substituindo-as por alusões a uma metrópole chinesa imaginária chamada H, porque entenderam que a associação com crimes violentos, ainda que fictícia, poderia macular a imagem da cidade.
Qiu, que escreve em inglês, mas foi criado na China, disse ter aceitado relutantemente algumas das alterações, mas que outras foram incluídas depois de ele ter aprovado as traduções que julgava serem definitivas. "Algumas das mudanças são tão ridículas que tornaram o livro incoerente", afirmou. Ele disse que se recusou a permitir que seu quarto romance, "A Case of Two Cities" (Um caso de duas cidades), fosse lançado na China.
Outros autores também já resistiram. Em 2003, Hillary Clinton determinou que sua autobiografia, "Vivendo a História", fosse retirada das prateleiras da China depois de ela ter descoberto que longos trechos haviam sido eliminados da obra. James Kynge, autor de "A China Sacode o Mundo", cancelou um contrato no ano passado porque um editor havia exigido que um capítulo inteiro fosse cortado.
Mas posições como essa, ao que parece, estão se tornando cada vez mais raras. Muitos autores se dizem divididos entre o seu desejo de proteger sua obra e a necessidade de ganhar a vida numa era de adiantamentos cada vez menores. Para outros, trata-se simplesmente de cultivar um público no país mais populoso do mundo.
Michael Meyer, cujo livro "The Last Days of Old Beijing" (Os últimos dias da velha Pequim), de 2008, lamenta a destruição do tecido histórico da cidade, ficou surpreso ao ver que muitas passagens não foram censuradas. Os editores fizeram alguns cortes previsíveis -incluindo uma referência à repressão na praça Tiananmen-, além de uma alteração no título a fim de apresentar o livro como uma carta de amor nostálgica ("Até Mais Ver, Velha Pequim").
Para Meyer, as mudanças mais curiosas foram feitas em relação a duas mensagens de texto citadas no livro, que foram enviadas ao autor por um arquiteto de Nova York que participava de uma discussão municipal de planejamento em uma grande cidade litorânea. A primeira descrevia a presença de uma moça de braços dados com um homem de meia-idade. A segunda mensagem anunciava que o homem era o prefeito, e que a mulher era a sua amante.